CLÁSSICOS: Kendrick Lamar - To Pimp a Butterfly


150 POSTS DO BLOG YAY, e para comemorar eu vou falar do álbum que junto com My Beautiful Dark Twisted Fantasy é para mim o álbum de rap mais influente do rap moderno, um álbum tão bom que elevou o nível do que nós consideramos uma obra de arte dentro desse gênero. Mas sobre o que ele é??? Quais os temas que ele aborda??? Por que ele é tão bom??? Essas são perguntas que eu vou tentar responder nesse artigo, pois hoje falaremos do lendário terceiro álbum de Kendrick Lamar: TO PIMP A BUTTERFLY.


Em 2012 Kendrick Lamar lança o que até então era considerado a sua grande obra de arte, Good Kid, Maad City, o seu segundo álbum de estúdio, com uma história sobre a infância conturbada do rapper em meio a toda a criminalidade ao seu redor com uma narrativa cinematográfica e beats que reinventaram completamente o que é considerado West Coast rap na modernidade, fazendo inúmeros clássicos e se colocando como a nova estrela do rap mainstream do dia para a noite. Para se colocar ainda mais nos holofotes Kendrick em 2013 faz seu verso em "Control" de Big Sean desafiando todos os rappers daquela geração para tentar supera- lo, o que não apenas foi o verso mais comentado daquele ano mas também se tornou um dos versos mais famosos de todos os tempos sendo inclusive o começo do que viraria Kendrick Lamar vs Drake em 2024. Com tudo isso todos esperavam uma sequência aos moldes de Good Kid, Maad City com beats explosivos e o rapper rimando sobre criminalidade e os perigos dessa vida mas o que tivemos ao invés disso foi uma música chamada "i" em Setembro de 2014 junto com a confirmação de que esse seria o primeiro single do seu próximo álbum. Era uma música com uma pegada mais para um soul com uma letra sobre amar a si mesmo, e as pessoas ficaram confusas, elas não entenderam como ele saiu daquele rap explosivo do seu último trabalho para "eu amo a mim mesmo" em uma pegada quase gospel agora, mas essa era apenas a primeira peça do que seria uma mudança completa da sua persona artística e que viraria o seu melhor trabalho.


To Pimp a Butterfly é um álbum conceitual com muitas camadas mas o seu principal tema é sobre a jornada de Kendrick lidando espiritualmente e socialmente com toda a fama que ele ganhou. O álbum abre de maneira magnifica com "Wesley's Theory" que tem o sample de "every nigger is a star" do cantor jamaicano Boris Gardiner e eu já me arrepio só de lembrar dessa batida. A faixa é uma síntese dos temas do álbum com o Kendrick rimando para a fama e como ele se desiludiu com ela sendo explorado pelo mercado fazendo um paralelo de uma conversa dele com o Tio Sam com este falando que se ele fizer um acordo ele pode até "viver em um shopping", e inclusive o título da música é uma referência ao Wesley Snipes que por anos foi o queridinho da América até ser derrubado do topo com uma divida gigantesca com o imposto de renda americano que ele não se recuperou até os dias de hoje. Esse tema de exploração continua na próxima faixa "Whats Free?" que é um interlúdio de jazz rap bem humorado onde o Kendrick repete que "esse pau não é de graça" e também com o single "King Kunta" que baseado no personagem Kunta Kinte tem o rapper se vendo como um escravo da indústria que quer "cortar suas pernas fora" ao mesmo tempo que se vê como um rei para o seu povo. O álbum vai então lentamente entrando em uma vibe mais obscura com "Institutionalized" onde o rapper percebe que toda a vida que o levou até ali vai continuar com ele e não tem para onde escapar, as feridas mentais de toda a violência que ele testemunhou e retratou no seu último álbum vão perseguir ele, o que nos leva a "These Walls" onde o rapper usa o conceito de "paredes" para contar uma história de ele transando com a mulher de um rival seu que está na cadeia por matar um dos seus amigos, e ele refletindo sobre sexo, poder e como aquilo não lhe trouxe satisfação nenhuma. E toda essa bad vibe explode em "u" uma música que começa com Kendrick gritando para então fazer uma música para si mesmo sobre como ele se odeia com tudo de negativo que ele pensa sobre si mesmo sem filtro nenhum.

Depois nós vamos para outro single que é "Alright" que atualmente se tornou um hino nos diversos protestos raciais que ocorreram nos Estados Unidos pós lançamento desse álbum mas dentro do contexto da história é quase como se o Kendrick estivesse enterrando todos aqueles sentimentos negativos para ser o líder que as pessoas precisam que ele seja repetindo que tudo vai ficar bem. E é aqui temos a introdução de Lucy no álbum, um personagem que diz para Kendrick que se ele fizer o que ele está falando ele pode até mesmo "viver em um shopping". Logo depois vamos para "For Sale?" e mais uma vez Lucy aparece para tentar Kendrick falando que vê todo o potencial do rapper e quer contrata- lo, e fica bem óbvio que Lucy que antes se apresentava como o Tio Sam nada mais é que Lúcifer na vida do rapper. A partir dai Kendrick começa a tentar voltar as suas raízes para tentar entender o que está errado com ele, o que  o leva a uma viagem para a África em "How Much a Dollar Coast" onde ele encontra um morador de rua que pede para ele um misero dólar, que Kendrick recusa a lhe dar, para então esse homem se revelar como Deus e falar que o preço de um dólar foi o seu lugar no céu, eu disseco a letra completa dessa obra prima de faixa nesse artigo aqui. É ai que temos a virada completa do álbum com o Kendrick se arrependendo do modo de vida luxuoso e todas as tentações que ele caiu com a fama para então se colocar como uma figura positiva exaltando o quão bonita é a sua comunidade e como todos deveriam se amar, e é ai que entra "i" que sem todo o contexto do álbum parece uma música estranha mas dentro dele é uma música de empoderamento para ele mesmo e a sua comunidade para que todos se amem mais, o que acaba por ser a mensagem geral do álbum, ele teve que enfrentar toda essa jornada para entender o lugar que ele queria estar que era junto do seu povo fazendo músicas que animem eles. E tudo culmina na última faixa que tem 10 minutos e se chama "Mortal Man" onde o rapper indaga que se a merda atingir o ventilador se os seus fãs ainda vão ser seus fãs, ou seja, se um dia a indústria quiser derrubar ele plantando cocaína no seu carro os fãs acreditariam nele ou ele viraria o drogado??? E ele inclusive usa o exemplo do Michael Jackson e como basicamente todos viraram as costas para ele quando aquelas acusações de assédio sexual atingiram o astro.

Desde "King Kunta" até a última música Kendrick está lendo um poema que começa com "eu lembro que você estava conflituoso, usando errado a sua influência" e em todo final de música ele começa o poema novamente do inicio revelando mais e mais dele até que em "Mortal Man" nós temos a versão completa do poema e descobrimos que ele estava lendo esse poema para Tupac, com os dois tendo uma conversa sobre a sociedade e a carreira deles utilizando uma entrevista real que o Tupac deu em 1994, até que Kendrick explica o titulo e o conceito do seu álbum, ele foi uma lagarta, cercado por violência, sobrevivência e autodestruição, tornou-se uma borboleta, um artista consciente, talentoso, com voz global, mas percebeu que a fama e o sistema também são armadilhas, querem explorá-lo, silenciá-lo e manipulá-lo, então ele propõe, através do poema e da conversa com Tupac, um despertar coletivo: que os jovens negros vejam seu valor, seu poder, sua beleza e não deixem o sistema “cafetinar” sua essência, e ele então pergunta a perspectiva do Tupac sobre isso ao qual o rapper não responde, com o álbum se encerrando com o Kendrick chamando pelo nome de Pac. Esse final é genial porque o Tupac foi esse artista que o Kendrick cita dentro da metáfora, ele foi vendido como o poster boy do Gangsta Rap, foi acusado por um crime de estupro que até hoje foi um caso muito estranho sendo condenado pela mídia e no final foi assassinado, a mídia cafetinou o máximo que podia da sua imagem e ele mesmo não conseguiu usufruir de nada disso morrendo com apenas 25 anos de idade. E uma curiosidade é que o nome original desse álbum era para ser 2 Pimp A Caterpillar, e se você juntar a sigla do álbum vira 2Pac, então todo o conceito é uma grande homenagem para ele.



Por que é um clássico???
Como eu disse esse álbum é um marco de antes e depois dentro do rap mainstream, você consegue ver bastante das suas inspirações como Outkast e A Trible Called Quest na fusão de soul e jazz dentro do rap assim como músicos de jazz mesmo como John Coltrane e Miles Davis, mas ninguém estava fazendo esse tipo de música no mainstream do rap em 2015 e esse álbum mudou tudo, porque ele foi um projeto arriscado indo para uma sonoridade completamente nova mas que é tão bem feita e produzida que conseguiu trazer essa sonoridade para o mainstream, inclusive a primeira vez que eu ouvi esse disco eu não sabia nada de inglês mas os flows do Kendrick com essa produção impecável de jazz rap já fez o álbum ser incrível como nada que eu tinha ouvido antes, e as camadas líricas dele apenas elevaram mais o projeto para mim através dos anos. Ele foi o álbum de rap mais escutado em um dia na história do Spotify até aquele momento quando ele foi lançado e alcançando facilmente o primeiro lugar na Billboard. Claro além do seu sucesso comercial o álbum foi eleito o melhor disco do ano de 2015 por diversos veículos como Rolling Stone, Pitchfork, Billboard, The Guardian, NME e Complex, recebeu nada menos que ONZE indicações no Grammy, o segundo álbum com mais indicações ficando apenas atrás de Thriller do Michael Jackson que teve doze, e ele ganhou cinco desses prêmios no Grammy (infelizmente não o álbum do ano porque os Grammys são RACISTAS). Além de todas as glórias de premiações e certificações To Pimp a Butterfly é um clássico porque ele transcendeu o tempo, ele fez 10 anos agora mas o impacto que ele teve desde o seu lançamento faz com que ele seja um dos álbuns mais influentes da modernidade, como eu citei antes "Alright" se tornou um hino nos protestos raciais durante 2020 e ficou na Billboard 200 por 160 semanas seguidas, então ainda é um álbum extremamente relevante nos dias de hoje, talvez até mais do que quando ele foi lançado, e que continua sendo escutado. 


O Legado Dele
O legado de To Pimp a Butterfly é profundo e duradouro, tanto no hip hop quanto na cultura popular em geral. O álbum redefiniu o que se esperava de um projeto de rap ao unir densidade lírica, crítica social e experimentação musical de forma ousada e coesa. O Kendrick demonstrou que um álbum de hip hop poderia ser simultaneamente político, poético, complexo e acessível, abrindo caminho para uma nova geração de artistas que enxergaram na arte um veículo de transformação cultural. A fusão de jazz, funk, soul e elementos do conscious rap em To Pimp a Butterfly influenciou diretamente outras obras que vieram depois e também são consideradas como obras primas de outros artistas como Awaken, My Love! de Childish Gambino, que apostou em uma sonoridade mais negra e psicodélica, rompendo com o rap tradicional, e rappers mais diretos como J. Cole, em 4 Your Eyez Only, e Denzel Curry, em TA13OO e Melt My Eyez See Your Future, exploraram temas de vulnerabilidade, identidade racial e saúde mental com mais coragem e profundidade após o impacto do disco do Kendrick, além de que sempre que alguém colocar um jazz no rap a nova geração sempre vai falar que a pessoa está tentando fazer o seu To Pimp a Butterfly como aconteceu com o Rashid no seu maravilhoso álbum #ACoragemDaLuz. Mais do que apenas um álbum influente, To Pimp a Butterfly se tornou um símbolo de resistência, um documento da experiência negra moderna e uma inspiração contínua para artistas que buscam, através da arte, provocar reflexão, mudança e orgulho cultural e por isso é um dos meus álbuns favoritos da vida e um dos melhores de todos os tempos.


A carreira do Kendrick pós TPAB é bem documentada nesse blog, ele foi para uma sonoridade um pouco mais mainstream porém com bastante introspecção em DAMN, depois disso ele entrou em um hiato musical de 5 anos até vir com o seu álbum mais pessoal de todos com Mr. Morales & The Big Steppers e mais recentemente ele participou da maior rivalidade da história do rap quando depois de uma década de indiretas finalmente tivemos Kendrick Lamar vs Drake com a vitória do nosso rapper de Compton que está fazendo a sua volta do campeão até os dias de hoje, com direito a álbum novo lançado para comemorar e tudo. E como sempre eu me despeço com um vídeo ensaio sobre esse álbum, tem vários com suas próprias interpretações então eu vou colocar um vídeo de quatro horas sobre todos os temas que o álbum usa que algum maluco fez e jogou no Youtube, então se você quiser aprender absolutamente tudo que esse álbum toca você pode ver aqui mesmo. Nos vemos no próximo artigo.


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