Minha Crítica: Kendrick Lamar - Mr. Morales & The Big Steppers

Kendrick Lamar se mostra humano.


O mundo é um lugar muito diferente de 2017 quando Kendrick fez seu criticamente aclamado quarto álbum de estúdio DAMN. Tivemos casos infames de racismo, uma eleição presidencial nos Estados Unidos, uma pandemia global, discussões novas foram levantadas na sociedade, e uma das grandes perguntas que rodeava não só o mundo da música como toda a cultura pop no geral era: onde esta Kendrick Lamar??? pessoas cantaram suas músicas nos protestos durante o caso do George Floyd, pessoas se perguntaram qual seria a opinião dele sobre as coisas que o Kanye West e outros rappers polêmicos estavam falando, cadê o maior rapper vivo para nos dar uma direção??? finalmente em 2022 Kendrick veio com um álbum novo e no seu melhor estilo ele trouxe uma mensagem que pode não ser o que as pessoas queriam ouvir mas era o que ele precisava dizer.

Para entender esse álbum é importante primeiro notar a persona que o Kendrick criou desde a sua chegada no mainstream e alimentou até antes desse projeto, essa figura mitológica, o gigante de 1.68, o garoto escolhido que conheceu Tupac e Dr. Dre ainda criança, o grande salvador do hip- hop, e é em Mr. Morales & The Big Steppers que ele descontrói completamente essa figura messiânica que o público e ele mesmo cultivou para se mostrar como apenas mais um humano, com falhas e erros, que ainda pode fazer criticas ao mundo mas não em uma posição em que ele se mostra acima dessas criticas mas como uma pessoa que também comete os mesmos erros que ele apresenta no álbum.

A música que abre o disco "United In Grief" para mim já mostra bem essa dualidade entre o Kendrick pessoa e o artista com o rapper ostentando como ele sente o luto de forma diferente sendo rico e podendo ostentar junto com seus amigos, enquanto ainda reflete sobre todos os seus amigos que morreram como algo que nunca sai da cabeça dele, quase como uma síndrome do sobrevivente. O Kendrick sempre foi um mestre em fazer essas músicas que parecem grandes ostentações mas que tem um tema bem mais profundo por trás e para mim essa música abrindo o álbum com esse piano melancólico misturado com essa batida alucinada dá o tom perfeito para o que o Kendrick vai trazer nesse projeto. Então por mais de uma hora Kendrick apresenta para o público seus pensamentos e sentimentos mais profundos sobre si mesmo, em "Worldwide Steppers" ele fala sobre seu bloqueio criativo sendo essa a grande causa dele ficar mais de quatro anos sem lançar nada, e sobre ele se sentir empoderado ao fazer sexo com mulheres brancas e trair a sua esposa. "Father Time" é provavelmente minha música favorita do disco e ao mesmo tempo em que ela é bem reflexiva ela tem uma mensagem bem positivista sobre homens jovens com problemas com os pais, com o Kendrick refletindo sobre os impactos negativos que uma relação ruim com o seu pai pode impactar suas próximas relações com homens e mulheres, ao mesmo tempo que manda um salve para os homens que conseguiram se encontrar na vida mesmo sem um pai, o instrumental é lindo e a letra é mais ainda, deve estar no meu top 10 de músicas do rapper. "We Cry Together" deve ser a música mais notória do álbum e com razão, o beat do Alchemist sampleando uma das minhas músicas favoritas do Florence + The Machine "June" já faria essa uma das melhores do disco, e todo o conceito desse casal representado pelo Kendrick e a Taylour Paige simplesmente voando no pescoço um do outro com todo ataque verbal possível é executado de uma forma visceral e muito realista, a performance vocal deles é perfeita pintando o cenário de maneira que você fica estressado por tabela só ouvindo esses dois discutindo. Porém para mim a música que resume perfeitamente a ideia desse álbum é a faixa "Savior" onde ele vai citando nomes de ícones negros atuais (ele mesmo, J. Cole, Future, Lebron James) dizendo que embora essas pessoas tenham feito você pensar e admirar elas, essas celebridades não são seus salvadores, no fim do dia ninguém vai vir salvar você, você tem que salvar a si mesmo e fazer seu corre, para mim é uma critica perfeita dessa narrativa do Kendrick ser essa espécie de cara que vai chegar e salvar a humanidade com um álbum ou discurso, uma narrativa que o próprio Kendrick parece estar cansado de alimentar. Eu também adoro como o Kendrick é mais reflexivo do que crítico nesse álbum, ele cita vários nomes e assuntos polêmicos mas não se coloca de um lado ou de outro, em "Father Time" ele fala sobre como o Drake e o Kanye terem feito as pazes deixou ele confuso mas o problema deve ser nele, porque ele não é maduro o suficiente para entender, em "Savior" ele diz que pegou covid e começou a questionar o Kyrie mas ele não diz explicitamente que o Kyrie está errado na sua forma de pensar, ninguém realmente vence a discussão entre o homem e a mulher em "We Cry Together", e para mim essa visão de tentar ver o debate de uma forma mais ampla é bem mais interessante do que se ele tivesse mandado um dos lados tomar no cu ou algo do tipo.

Eu ouvi muita gente dizer que esse álbum não tem hits e talvez isso seja criticas vindas de pessoas que conheceram o Kendrick pelo DAMN que era um álbum mais voltado para o trap moderno, mas de todo jeito é quase loucura dizer que esse álbum não tem músicas com apelo para o rádio. Eu não parei de escutar "N95" desde que o álbum foi lançado, é tipo aqueles feats que o Kendrick fez para o Baby Keem ano passado só que uma música inteira, o K-Dot rima em 4 vozes diferentes e troca de flow inúmeras vezes, é energético e caótico de uma forma que só ele poderia fazer. "Purple Hearts" eu acho que é outra música bem gostosa de ouvir com esse ritmo RnB super calmo e o Kendrick falando sobre família e espiritualidade, eu comparo ela com Gorgeous do MBDTF por ser uma das músicas mais underrateds do álbum e ter um verso super carismático de um membro do Wu- Tang Clan, no caso de "Purple Hearts" é o Ghostface Killah, fazendo provavelmente o melhor guest verse do disco. "Silent Hill" é um trap mais dark, eu acho uma coisa genial o loop de uma arma com silenciador disparando, e por mais que eu não seja um grande fã do Kodak Black eu acho a performance dele nessa música incrível e é bem óbvio que o Kendrick fez essa track para ele brilhar, e a missão foi cumprida, eu com certeza vejo essa música como um hit por todo 2022. E "Mirror" que fecha o álbum não só é perfeita para encerrar o projeto com o Kendrick falando sobre como toda a ideia desse álbum é conseguir ajudar ele mesmo para que ele possa continuar ajudando as pessoas próximas a ele, e fora a letra a batida é infecciosa demais e ela tem um dos melhores e mais pegajosos refrãos do disco todo, é impossível você não acabar de ouvir esse disco e ficar com "i choose me, i'm sorry" em loop na sua cabeça depois. Então por mais que esse álbum não tenha hits mais convencionais como o seu anterior eu ainda vejo um apelo popular bem grande para ele, uma coisa que temos que lembrar é que o Kendrick sempre foi um rapper muito divertido de se escutar, e eu não acho que ele perdeu esse lado nesse álbum. 

 A produção é uma mistura de jazz rap com RnB e G-Funk West Coast anos 90, o Kendrick vai mais pela vibe do To Pimp a Butterfly rimando em batidas mais ortodoxas com um instrumento só mais evidente nas batidas do que em beats de rap mais crus ou em traps mais modernos. Como eu citei "We Cry Together" tem uma batida genial, parece algo que o Griselda faria, é melódico ao mesmo tempo que é gangsta pra caralho, mais uma batida que prova o quão genial o The Alchemist é, a primeira vez que eu escutei a música eu pensei que parecia um beat do Alchemist antes de sequer saber que era dele. Baby Keem aparece com créditos de produção em "N95" que é uma música com a cara dele e "Die Hard" que é uma música mais melódica popzona com uma letra mais simples do Kendrick que também pode ser mais tocada em rádios, super potencial hit. Todos estávamos curiosos sobre qual seria a pegada instrumental de um novo álbum do Kendrick, visto a grande diferença entre os seus 3 álbuns mais consagrados, e em Mr. Morale ele trás um pouco mais do jazz psicodélico que ele usou em 2015 misturado com o trap melódico único que o Baby Keem popularizou nos últimos anos, fazendo um álbum que musicalmente tem uma pegada do Kendrick mas que também traz muita de identidade musical da sua gravadora pgLang.

Depois de escutar Mr. Morale & The Big Steppers pelas duas primeiras vezes eu comecei a pensar nas direções que o Kendrick poderia levar esse tão aguardado quinto álbum e o que o público (incluindo eu) queria dele, ele poderia fazer um manifesto político em forma de música sobre a desigualdade e a violência contra negros na sociedade moderna... só que ele já fez isso e é por isso que To Pimp a Butterfly é um álbum tão atual mesmo sendo lançado a mais de 5 anos, então com a sua ausência e todo o hype colocado em cima do seu retorno, na minha opinião Kendrick nos deu o melhor álbum possível, e outro clássico. As pessoas sempre tiveram essa visão do K-Dot como esse super herói que viria e salvaria o dia, e em Mr. Morale ele descontrói totalmente essa visão se abrindo completamente para o grande público e mostrando que a única forma de melhorar as coisas é nós melhorarmos a nós mesmos, porque no fim somos nós causando os problemas no mundo, então apenas nós podemos concertar, como ele mesmo diz, o Kendrick pode te fazer pensar mas ele não é seu salvador, e eu acho de uma coragem imensa alguém que é tido pela comunidade musical como perfeito se abrir de maneira tão genuína e honesta, mostrando suas falhas e preconceitos para o público ao mesmo tempo que mostra sua vontade de melhorar a si mesmo. É um álbum desconfortável de se ouvir algumas vezes, é um álbum que abre discussões muito importantes, é um álbum muito bem produzido, em resumo é mais um álbum fantástico do Kendrick Lamar e para mim só um maluco não consideraria esse o melhor e mais importante álbum de 2022 até agora.

E essa é a gif que representa a minha reação ouvindo esse álbum:

I CHOOSE ME, I'M SORRY

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