Bad Bunny quer tirar mais fotos



Eu não me considero um fã de Bad Bunny, tem algumas músicas dele que eu curto mas como um artista completo eu nunca consegui entrar na vibe dele, eu escutei o Un Verano Sin Ti de 2022 e achei bem mediano com excessão de algumas faixas, então quando me falaram do álbum dele lançado esse ano eu não fui com grandes expectativas, mas quando eu ouvi eu fiquei tão tocado com os temas musicais e a mensagem geral que o álbum quer passar que mesmo depois de meses ele continua na minha rotação e eu tive que vir escrever sobre ele aqui.


Apesar de ser um álbum predominantemente de reggaeton que é o estilo pelo qual o Bad Bunny é conhecido a grande diferença desse projeto para os outros do artista é a incorporação de muitos elementos da música de Porto Rico e a valorização da sua cultura dentro das suas letras. Isso já é visto na faixa que abre o projeto todo "Nuevayol" que sampleia a música "Un Verano In New York" do grupo de salsa El Gran Combo de Puerto Rico que é considerado um dos maiores atos músicas da história da ilha, e na letra o artista reflete sobre como Porto Rico está perdendo sua autenticidade e se tornando cada vez mais americanizada e buscando novamente a autenticidade latina com ele dizendo que quer ser o novo rei do pop e vender música igual quadros da Frida Kahlo. O tema de orgulho das raízes latinas é um dos grandes pontos que o álbum quer passar com o artista fazendo várias críticas a turistas que vem aproveitar o lado bom do Porto Rico sem ter a menor ideia de todos os problemas que o povo de lá passa, como é visto na excelente faixa "Turista", ou na mais direta "Lo Que Ele Pasó A Hawaii" em que ele diz explicitamente que não quer que aconteça com a sua ilha o que aconteceu com o Hawaii em questão de gentrificaçao. O artista faz isso enquanto incorpora samples de vários artistas que estão enraizados na cultura musical do país assim como a musicalidade misturando trap e RnB populares no mainstream com a salsa característica da sua ilha e o jibaro que é uma palavra que também é sinônimo para pessoas do interior da ilha que criaram esse ritmo e popularizaram na sua cultura.

Para acompanhar o álbum, o artista também co- escreveu e dirigiu um curta metragem com o mesmo nome do álbum estrelado pelo cineasta porto-riquenho Jacob Morales como um senhor de idade que reflete sobre a sua vida através de fotografias enquanto caminha pelo seu bairro vendo o quão "modernizado" ele está e sentindo falta de como as coisas eram em seu tempo enquanto conversa com uma rã falante que é de uma espécie que era muito popular la em Porto Rico mas agora está em extinção. Reforçando ainda mais o tema de resgate cultural os visualizers do álbum no YouTube são apenas um texto sobre a história de Porto Rico, passando pela colonização da Espanha, a morte da ativista Antonia Martinez, a criação da bandeira de Porto Rico e seu significado e outros momentos importantes da sua história.


Porém o tema principal do álbum e para mim o que fez ele se conectar tanto comigo é a nostalgia. Isso é visto na faixa que dá nome ao álbum "DTMF" em que o artista reflete na sua vida e em como ele não tirou mais fotos de momentos cotidianos da sua vida que agora ele não pode mais recuperar, e a música tem uma dualidade em que ao mesmo tempo que ele parece estar falando com uma mulher que ele perdeu ele também está falando sobre Porto Rico como um todo e como ele deveria ter aproveitado mais o seu país antes dele se tornar um ponto comercial americanizado, e isso também está na capa do álbum, que são apenas duas cadeiras de plástico muito comuns em qualquer festa de família em qualquer lugar latino do mundo, e o Bad Bunny disse que a inspiração para a capa veio daquelas festas de infância em que as pessoas tiravam várias fotos e revelavam em um álbum de fotografias que todo mundo via depois e hoje tiramos apenas fotos no celular e jogamos nas redes sociais para nunca mais vermos, isso quando tiramos essas fotos. Esse tema de nostalgia não apenas de momentos da vida como de épocas específicas permeia todo o disco como em "El Clúb" em que ele reflete sobre três épocas específicas da sua vida em 2019, 2020 e 2022 com ele falando sobre suas conquistas, mas também sobre coisas que ele perdeu no caminho e não tem mais como voltar atrás.


Porém mesmo com todo esse background de temas intimistas e resgate cultural não quer dizer que o Bad Bunny vai parar de ser o hit machine que ele tem sido a anos, e o maior exemplo disso é o single "Baile Inolvidable" que deve ser a minha música favorita da carreira do artista e ele consegue isso fazendo um hit que não parece nada com um hit que o Bad Bunny faria. A música é uma salsa de 6 minutos que na sua metade vira essa música super triste sobre essa mulher que ele nunca esqueceu porque foi ela que ensinou para ele como dançar e como amar, não tem como você não sentir todos os tipos se sentimentos ouvindo essa faixa, de uma nostalgia gigante para o sentimento genuíno de amor e de perda que o artista passa, eu não sou fã de salsa e eu não consigo parar de ouvir essa música faz 1 mês. "Veldá" é um trap naquele estilo de quem gosta do Bad Bunny no modo rapper commercial com feats do cantor Omar Cruz e o rapper Dei V ambos, claro, de Porto Rico. "Pitorro de Coco" usa esse som Jibaro, não é um estilo que eu estou acostumado, mas eu achei uma puta música chiclete e muito latina, sabe quando você escuta algo pela primeira vez mas sente que reconhece??? É mais ou menos isso. E claro a já falada "DTMF" mistura um estilo de música de Porto Rico chamada Plena com Reggaeton e faz uma das músicas com mais cara de 2025 até agora, uma daquelas faixas que a gente vai lembrar quando falarmos desse ano porque até trend ela já virou com as pessoas postando fotos antigas com ela e até escutando ela aqui no carnaval do Brasil. No geral a sonoridade desse álbum é menos trap e mais latina mas ainda é o Bad Bunny dando o toque de hitmaker dele enquanto consegue explorar um lado bem mais criativo da sua persona.


Eu não sei nada sobre a história de Porto Rico e não tenho qualquer conexão emocional com ela ou com o Bad Bunny e mesmo assim esse álbum conseguiu me fazer sentir tudo o que ele queria passar, não é difícil conseguir traduzir a mensagem dele para o nosso país e principalmente a nostalgia dos momentos registrados naqueles álbuns de fotos que nossos parentes tiravam quando éramos mais novos, a minha mãe sempre foi essa pessoa de reunir todo mundo pra tirar foto e depois de ouvir esse disco eu fui ver todos os álbuns de fotografias aqui de casa e relembrar de momentos que eu nem guardava mais na cabeça, e como uma pessoa que odeia tirar fotos atualmente a mensagem de viver e registrar o cotidiano me pegou muito e me fez refletir sobre momentos incríveis que eu vivi e não registrei e ter uma saudade imensa dessas festas de família da minha infância que nunca mais vão poder acontecer. E isso aliado ao primeiro Oscar do Brasil com Ainda Estou Aqui me fez refletir ainda mais sobre valorização da cultura do nosso país e o quanto a gente fica preso nessa americanização da cultura e esquece de ver o quão rico é o que a gente tem na América do Sul como um todo, com um grande exemplo para o Brasil de um álbum pegando nossas raizes para fazer grande arte sendo o álbum do BK desse ano, mas isso vai ser assunto para outro artigo. Debi Tirar Más Fotos é até agora a obra definitiva da carreira do coelho e o projeto que me fez dar um pouco mais de atenção para a arte que ele cria, tirando ele da prateleira de apenas mais um trapper latino para a prateleira de um artista extremamente criativo para mim.


E essas são as minhas impressões sobre esse álbum maravilhoso do Bad Bunny que sem dúvidas vai estar na minha lista de melhores do ano no final de 2025, vamos ver se esse artigo é o suficiente pra tirar "Baile Inolvidable" da minha cabeça. De resto, aproveitem a vida, registrem momentos, escutem esse álbum, aprendam espanhol, comprem um barco e valorizem a cultura brasileira. Até o próximo artigo.


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