Faces, a Obra-Prima de Mac Miller

Esse é um artigo muito especial para mim, pois se trata do que eu considero o melhor trabalho do meu artista favorito. Mac Miller tem uma carreira separada por várias fases que refletem os momentos que ele estava vivendo, principalmente internamente, e para mim a mais importante é a sua mixtape de 2014 Faces onde ele consegue nos fazer mergulhar dentro da sua persona, mostrando seus problemas, inseguranças, dúvidas e refletindo sobre a sua carreira até aquele momento.



"Já deveria ter morrido, eu... já deveria ter morrido" é assim que Mac Miller abre Faces na primeira faixa "Inside Outside" e isso mostra que para a gente entender Faces nós precisamos primeiro entender o que estava acontecendo com o artista em 2014. Mac Miller explodiu para o rap em 2009 com uma série de mixtapes, com um estilo que era chamado na época de "frat rap", que pode ser traduzido como "raps de fraternidade", que são raps de curtição para tocar em festas de faculdades. Ele foi o grande expoente desse subgênero e cresceu mais e mais dentro da música com mais mixtapes e projetos até lançar seu primeiro álbum Blue Slide Park em 2011 que foi o primeiro disco a alcançar o primeiro lugar na Billboard sendo lançado de forma independente em 14 anos. Parecia que tudo estava indo muito bem para o rapper porém a crítica detonou esse primeiro álbum do Mac porque era a mesma coisa de todas as outras mixtapes, as mesmas músicas de festas de sempre com o mesmo estilo de beat, Mac Miller não era respeitado dentro do rap e pra piorar ele desenvolveu um vicio em drogas na adolescência pois desde que ele tinha 15 anos ele já estava no mundo do rap fazendo shows, criando música e experimentando todo tipo de droga. 

Depois de todas as críticas ao seu primeiro álbum, Mac mudou completamente seu estilo trazendo mais misturas de gêneros como blues e rock clássico, lançando sua Mixtape seguinte Macadelic em 2012 tendo como maior inspiração os Beatles, mas principalmente ele mudou o seu conteúdo lírico saindo dos raps sobre festa e curtição para uma introspecção sobre o que ele pensava sobre a fama, como ele estava se sentindo perdido naquele momento da carreira e como ele não se sentia abraçado pela comunidade do rap e da crítica. Ele expandiu mais ainda essa introspecção no seu segundo álbum de 2013 Watching Movies With The Sound Off onde ele fala abertamente sobre o seu sentimento de isolação, sua depressão e o seu vício em drogas, especialmente cocaína, e todos esses projetos foram bem aceitos pela comunidade do rap com as pessoas começando a enxergar ele de outra forma como artista.

Isso nos leva a 2014 e a produção de Faces. A saúde mental do rapper não melhorou do seu último álbum até a criação dessa Mixtape, ele criou um estúdio dentro da sua casa em que ele basicamente ficava usando drogas e testando sons novos e foi assim que a ideia de Faces foi se formando. Em uma entrevista que ele deu na época do lançamento da mixtape ele disse que todo o planejamento de Faces se deu com ele ficando apenas dentro do seu estúdio sozinho, um lugar que ele chamava de "santuário", usando drogas e achando que esse seria o seu fim, então ele queria pelo menos dar algo para todos escutarem nos seus últimos momentos, porque ele legitimamente acreditava que quando ele saísse da sua casa ele não conseguiria mais viver no mundo real, o que nas palavras dele é depressivo mas também é lindo porque é arte.



Com isso nós podemos entender a parte mais importante desse projeto que é o conteúdo lírico de Faces. Como eu disse anteriormente a Mixtape abre com o Mac Miller falando que já deveria estar morto a essa altura e que ele nunca esteve tão preparado para tudo acabar, tudo isso em um jazz super animado e o Mac com o seu flow calmo característico. A segunda faixa "Here We Go" para mim mostra ainda mais toda a confusão da cabeça do Mac porque na superfície ela é apenas uma música normal de rap ostentação com ele falando sobre o dinheiro que ele tem e como ele conseguiu tudo sem um feat do Drake (nunca se esqueçam disso) mas algumas frases soltas mostram que na verdade isso tudo só está lá para mascarar coisas ruins que estão passando pela cabeça do artista, como amigos que o rapper cresceu junto que estão morrendo, as pessoas pedindo para ele diminuir esse estilo de vida destrutivo dele e como ele não sabe lidar com esse dinheiro e fama que ele tem.

Na verdade toda a vibe dessa mixtape e o que faz ela tão especial na minha opinião é que ela é como um mergulho na mente de outra pessoa, toda vez que eu escuto é como se eu conseguisse adentrar esse universo que o Mac Miller criou no estúdio dele a 10 anos atrás, eu consigo entender as motivações dele, os sentimentos, as escolhas de instrumentais, tudo se encaixa na confusão que era a mente do artista durante aquele período da vida dele. Eu inclusive acho que é essa a razão que esse projeto é uma mixtape e não um álbum, porque ela não tem um tema central, ela é um emaranhado de pensamentos e temas que estavam passando pela cabeça do artista naquele momento, na verdade nem parece que é o Mac Miller no álbum e sim o cérebro dele falando com ele, sabe aqueles pensamentos que aparecem aleatoriamente na sua cabeça quando você está apenas existindo? É isso, Mac entra em uma variedade de assuntos as vezes na mesma música e emite seus pensamentos, quase sempre pessimistas, sobre esses assuntos. Em "Happy Birthday" ele fala sobre as pessoas na sua festa de aniversário se perguntando se todas aquelas pessoas estariam ali se ele não fosse rico nem famoso, inclusive eu tenho certeza que o G Eazy copiou todo esse conceito no clipe de "Me, Myself and I" dessa música. Em "Wedding" ele que está tendo um relacionamento com uma mulher se questiona se ele merece viver o amor, se ele é digno de algo assim mesmo com todos os seus defeitos e os defeitos da mulher também. Porém o tema que ele mais toca durante a Mixtape é a sua morte, ele explora o conceito de overdose em "Angel Dust", ele explora o conceito da vida passando diante dos seus olhos em "Funeral", e a Mixtape se encerra com "Grand Finale" onde ele fala que se esse for o seu final ele da as instruções de onde ele quer ser enterrado e o refrão diz "vamos ter um grand finale, o mundo vai ficar bem sem mim, e eu não tenho um sorriso no rosto, vamos devagar, vamos sair com um estrondo, você está pronto para os fogos de artifício? Foi uma noite silenciosa até os fogos de artifício".



Porém esse não é um projeto triste, tanto na sonoridade quanto na vibe geral do álbum. Para quem gosta de jazz rap como eu essa é uma das melhores coisas que você vai ouvir sonoramente, a produção do Mac Miller sob o seu pseudônimo de produtor Larry Fisherman é espetacular misturando piano, baixo e saxofones com um boombap clássico que lembra os melhores trabalhos do A Tribe Called Quest, enquanto os traps do projeto estão em uma vibe bem psicodélica e surreal, algo bem a frente do seu tempo para o trap de 2014. E outro ponto que faz com que essa Mixtape seja leve de se escutar é o quão engraçado o Mac Miller está nela. O rapper sempre teve um lado muito humorado na sua música, e aqui ele não soa triste no seu tom de voz e no seu flow e o seu humor auto depreciativo faz algumas one liners memoráveis que fica na cabeça depois que você escuta elas uma vez, como "por que eu comprei outro carro se eu nem saio de casa?" ou quando ele narra um encontro todo com o Kevin Hart em que eles beberam tequila e conversaram juntos apenas pra terminar a história com "...mas o Kevin não se lembra disso". E inclusive eu acho que ele tem a melhor e mais engraçada resposta ao verso de Control do Kendrick Lamar quando ele diz "nesse Game Of Thrones, todos sabem, eu tenho a 4G, conexões com a LTE, não tem controle, foda- se o Ken Lamar" e aí uma voz grita "VAI SE FUDER KENDRICK" é tão simples e tão engraçado quanto só Mac poderia fazer. O carisma do Mac leva essa Mixtape com uma leveza que mesmo quando ele está tocando nos temas mais sensíveis possíveis e falando literalmente sobre morrer ainda é uma música boa de se ouvir, não é bem uma apatia na sua voz, é mais como ele não tivesse como lutar contra o que está acontecendo na sua vida então ele está apenas aproveitando a viagem enquanto ela dura.

E por fim eu queria falar sobre o quão bem o Mac Miller rima nessa Mixtape, por mais que aqui ele esteja explorando outros lados da sua persona musical que mais tarde ele expandiria em projetos inteiros como cantor aqui para mim foi a melhor fase dele como rapper mesmo, ele tem flows criativos, barras engraçadas como eu já citei mas também barras que tem duplas ou triplas interpretações. E isso tudo para mim se resume em "Diablo" que é o single carro chefe da Mixtape, essa é uma das minhas músicas favoritas de rap mesmo onde o MC vai construindo punch atrás de punch, daria para escrever um artigo inteiro só dissecando todas as barras que ele faz nessa música, é uma das melhores músicas que ele já lançou em letra e beat, aquele piano da música me pega demais. E além disso o Mac produtor tira o melhor dos feats desse projeto, Sir Michael Rocks é incrível em "What Do You Do" inclusive ele usa a barra do "eu te amo mais que o Kanye ama o Kanye" antes do Kanye usar no Life Of Pablo, Vince Staples parece o MF DOOM no beat mais MF DOOM da Mixtape "Rain", eu diria inclusive que ele rouba a track pra ele, e o verso do Rick Ross em "Imsomniak" é melhor que o verso dele em "Devil With a New Dress", eu não tenho nenhum argumento pra defender esse take meu mas ta aí. E o Earl Sweashirt produz e participa de duas faixas da Mixtape que eu acho que influenciaram bastante a pegada que a música dele iria a partir dali. 



Faces é atmosférico, psicodélico, animado, triste, engraçado, pessimista, a organização de pensamentos em meio a confusão de uma das mentes mais criativas que apareceu na música na década passada, parafraseando o que ele mesmo falou, Mac pegou toda a sua depressão, isolação, pessimismo com a vida e vício cada vez maior em drogas e fez arte transformando tudo isso em música de qualidade. Como eu disse no começo, para mim esse é o seu melhor projeto em todos os sentidos, ele tem uma produção muito criativa, letras muito honestas, e a vibe no geral é única, toda vez que eu escuto eu sinto como se eu estivesse visitando a mente de outra pessoa e entendendo todas as suas peculiaridades, e isso é algo que eu não consigo sentir com nenhum outro projeto que eu já escutei de qualquer outro artista. Tem projetos que eu gosto mais do Mac por preferir ele quando ele está no seu espírito mais animado e feliz, mas pra mim não há dúvidas que ele foi no mais profundo que tinha dentro dele pra tirar o seu melhor projeto ao fazer Faces. Então se ainda não está muito óbvio, meu objetivo com esse artigo é falar que se você ainda não escutou Faces escute agora, principalmente porque em 2021 finalmente ela ficou disponível em todas as plantadoras digitais sendo que originalmente ela foi lançada para download gratuito no site do rapper e assim muita gente pôde conhecer essa obra de arte depois da morte do Mac em 2018. 

E esse é o artigo de hoje, Faces foi a primeira coisa que eu escutei no dia do meu aniversário, meu plano era escrever sobre ela na semana do meu aniversário, mas eu acabei ficando sem tempo então eu estou muito feliz desse artigo ter saído ainda esse ano. Meu plano é escrever pelo menos mais um artigo agora em Julho eu ainda não sei sobre o que vai ser, mas quando eu descobrir nos vemos de novo, até lá.

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