CLÁSSICOS: Nirvana - In Utero

Eu entendo todo o hype do Nirvana. Toda a história de ascensão e final da banda é uma coisa saida de filme, o grupo definiu todo o zeitgeist da década de 90 e teve provavelmente o último grande rockstar da história, Kurt Cobain. Porém mais interessante do que a jornada da banda e a sua relação com a contracultura dos anos 90, mais interessante que o Kurt Cobain e toda a sua trágica história de vida, ainda mais interessante que o Nevermind e todos os seus hits atemporais, a coisa que sempre me deixou mais impressionado com o Nirvana foi o seu terceiro e último álbum de estúdio, o In Utero. 

Imagine ser o Nirvana em 1993, o álbum Nevermind lançado dois anos antes tinha explodido de uma forma que ninguém esperava, a banda do dia para a noite tinha se tornado os líderes do grunge e de todo o rock dos anos 90, sendo um fenômeno na música de uma forma que ninguém estava preparado para lidar, principalmente a banda, então como você faz uma sequência para esse álbum??? parecia impossível fazer algo que não seria uma total decepção. Ai que entra na minha opinião a grande genialidade desse álbum, porque ao invés de tentar fazer uma sequência para o Nevermind, capitalizar em cima do fenômeno do grunge e do que era o Nirvana, a banda fez algo totalmente subversivo, com um som pesado, cru, totalmente na direção contrária do que o grupo era conhecido por fazer, ou nas palavras do Steve Albini que produziu esse disco "um álbum que não parecesse nada com o Nirvana".

O disco abre com uma das melhores frases de abertura de álbum que eu já ouvi "raiva adolescente pagou bem. Agora eu estou velho e entediado", o que não só resume toda a opinião do Kurt sobre o Nevermind e a sua fama como dá o tom perfeito para todo o resto do In Utero. Aqui o Kurt mostra como ele estava cansado da fama, cansado das pessoas olhando para ele como um messias do rock, e cansado da própria vida dele, e as letras refletem isso, muitas delas dão esse tom deprimido e de auto ódio que o cantor tinha, principalmente naquele ano. Como "Frances Farmer Will Have Her Revenge On Seattle" cujo o refrão é "eu sinto falta do conforto em estar triste", ou "Dumb" que vem logo em seguida que fala exclusivamente sobre pessoas que ficam facilmente felizes no estilo "ignorância é uma benção", de uma forma quase de inveja, como se ele quisesse ter essa felicidade fácil também mas ele sabe que não consegue, então ele tenta fingir. O álbum também tem muitos comentários sobre a relação do Kurt com a mídia no geral como "Radio Friendly Unit Shifter", "All Apologies" e até a controversa "Rape Me" que no papel é sobre um estuprador que é preso e ai é estuprado na cadeira, mas que também pode muito bem ser interpretada como o Kurt se sentindo abusado pela mídia, inclusive o próprio cantor concordou que a música poderia ser vista sobre essa luz. Já na parte instrumental o álbum sai da sonoridade grunge popzona que tem o Nevermind quase todo e vai para uma coisa bem mais densa e experimental, um som bem mais noise rock com bastante influência no post punk para fazer esse álbum da maior banda de rock do mundo parecer algo que sairia de uma banda underground sem qualquer perspectiva de fama. A guitarra do Kurt esta bem mais punk do que nos outros projetos, e a bateria do Dave esta pulsante em um nível que praticamente guia o tom para as músicas mais pesadas e "bagunçadas" do projeto, meu trabalho favorito do Dave na bateria, e claro, o Kurt esta com uma performance vocal tão caótica e descontrolada quanto o instrumental, gritando e passando todo o seu sofrimento existencial, ao mesmo tempo em que consegue ser melódico e fazer refrãos muito cativantes. 

      

Por que é um clássico???

O In Utero é o álbum que pra mim mostra toda a qualidade do Nirvana como banda, mostrando não só uma evolução nas letras, que deixam de ser mais vagas para serem bem mais diretas, acertando você em cheio, e mostrando todo o estado mental que estava o compositor naquela momento, como todo o instrumental é a coisa mais criativa que saiu da banda, com eles saindo completamente da zona de conforto do grunge, para fazer esse som abafado, barulhento e caótico, criando algo que eu não acho que nenhuma outra banda de rock alternativo conseguiria fazer naquele momento, principalmente a maior banda dos anos 90. O In Utero para mim é o Nirvana saindo de tentar copiar a musicalidade de outros artistas e bandas que eles admiravam, e mais eles descobrindo o próprio som deles com a cara da banda, mostrando originalidade e principalmente nos mostrando o que a banda poderia ter sido se eles lançassem mais músicas, ao mesmo tempo em que é um dedo do meio para todos que queriam que o Nirvana se comportassem como a voz daquela geração e um grito de socorro de um viciado em drogas extremamente triste que não sabia o que fazer a não ser tentar inconscientemente transformar sua dor em letras, é tão triste quanto é realmente grande arte. Por isso não só esse álbum é um grande clássico do rock alternativo e um grande pedaço de toda a contracultura dos anos 90, como para mim é a melhor coisa que a banda já fez, e com certeza devia ser a coisa que dava mais orgulho para o Kurt. 

O Legado dele

 O Nirvana não criou o conceito de um ato musical gigante fazer um álbum completamente fora da sua musicalidade para testar os seus limites e principalmente para irritar a sua gravadora e os seus novos fãs que só queriam a mesma coisa de novo e de novo, porém eu posso dizer que o In Utero talvez tenha sido o melhor álbum musicalmente que saiu desse tipo de ideia. Um tempo atrás eu falei sobre o Encore do Eminem e o desastre que foi, e como tudo parecia ter sido feito de propósito pra falhar, pois é, eu acho que isso era o Eminem fazendo o In Utero dele, e tem outros exemplos pela música de artistas fazendo isso, e por esse ser o maior álbum nesse estilo eu acho ele muito influente nesse aspecto. Já sonoramente falando podemos dizer que o In Utero influenciou bem mais o resto dos anos 90 e começo dos anos 2000 do que o Nevermind, porque o grunge não durou muito depois da morte do Kurt, porém o rock alternativo dominou o resto da década com um som pesado e letras extremamente tristes e carregadas de sentimentos, e se não fosse o Nirvana fazendo esse álbum quem sabe se teríamos o metal industrial se tornando mainstream ou até mesmo o nu metal que foi a próxima grande coisa depois do fim do grunge. 

O resto da história do Nirvana já é conhecida por todo mundo, a banda gravaria o seu lendário álbum acústico MTV Unplugged In New York que seria lançado em Novembro de 1993, e seria o último projeto da banda já que o Kurt Cobain cometeria suicídio no dia 5 de Abril de 1994, aos 27 anos. O Nirvana continua extremamente cultuado e influente na música até os dias de hoje, assim como o Kurt Cobain que se tornou um dos maiores ícones da história do rock, e o Dave Grohl que era o baterista da banda criou o Foo Fighters e se tornou uma das figuras mais conhecidas do rock nos anos 2000, e um dos caras mais legais do gênero também. Para quem esta interessando no processo de criação do In Utero eu vou deixar esse vídeo do canal Rock 'N Roll True Stories que conta tudo sobre como ele foi feito, dos temas, até a criação, e a recepção do público, eu vou encerrar o artigo com ele, e até a próxima.