Eu amo o conceito de mixtapes. Quando você lança um álbum você tem que lançar um produto coeso que venda o máximo possível, enquanto com mixtapes os artistas podem experimentar sonoridades, estilos, estruturas líricas e colaborações inusitadas, sem a pressão de produzir hits ou seguir tendências. As mixtapes surgiram nas décadas de 1970 como compilações caseiras feitas em fitas cassete, inicialmente populares entre DJs de hip-hop que gravavam sets ao vivo e faixas exclusivas para distribuir nas ruas. Nos anos 1990 e 2000, elas se tornaram uma ferramenta crucial para artistas independentes promoverem seu trabalho. Artistas gigantes como 50 Cent, Lil Wayne e Gucci Mane usaram as mixtapes para construir sua fama e influência. E hoje especialmente eu vou listar as minha dez mixtapes favoritas.
Observações: eu vou limitar a uma mixtape por artista e vou apenas colocar mixtapes gringas, outro dia eu faço as minhas mixtapes nacionais favoritas. E lembrando que não são as melhores mixtapes de todos os tempos e sim as que eu mais gosto.
10.Chief Keef - Back From The Dead (2012)
Duas coisas que eu amo em mixtapes é que elas podem simbolizar um início de um auge para um artista e também uma ascensão de uma determinada sonoridade, e não tem exemplo melhor para esses dois fenômenos acontecendo juntos do que a quinta mixtape do Chief Keef lançada em 2012 que não apenas colocou o nome do controverso rapper no mapa como foi o início do que seria a ascensão do drill de Chicago no mainstream da música. Antes desse projeto o Chief Keef era apenas um adolescente já com uma ficha criminal extensa que fazia músicas sobre todas as suas vivências no crime, principalmente envolvendo brigas de gangues, e foi a sua raiva de tudo com a sua entrega estoica aliado a produção revolucionária do Young Chop que apresentou o drill para o mundo, com batidas darks e agressivas com hi-hats frenéticos. Toda a vibe desse projeto é muito DIY, você consegue imaginar eles em uma casa fazendo os beats e gravando os vocais, até a capa é algo feito por alguém que claramente não sabia usar nenhum programa de edição e ai só amoontuou coisas juntas. Muitos clássicos do começo da carreira do Chief Keef estão nessa mixtape como "I Don't Know Dem" que foi o seu primeiro clipe postado no YouTube, "Everyday", "3Hunna" que depois teve um remix com o Souija Boy que ficou muito foda (o que é engraçado porque meses depois eles começaram a se odiar) mas claro que o grande carro chefe desse álbum e da carreira do Sosa é "I Don't Like", essa música te acerta como uma porrada toda vez como se fosse a primeira vez que você estivesse ouvindo ela. Foi essa a faixa que explodiu o Chief para o mundo com o Kanye remixando a música na mesma época o que assegurou para o rapper um contrato com a Interscope Records para o seu primeiro álbum (que também é um clássico), e ele fez tudo isso com apenas 16 anos. O Chief Keef tem uma das trajetórias mais interessantes da história do rap, tanto que os seus fãs separam suas fases musicais por eras e cada uma tem um estilo mais revolucionário que o outro com inúmeros hits, mas aqui é onde tudo começa, um garoto cheio de raiva no subúrbio de Chicago falando sobre os comédias que ele não fecha, e por isso essa é a minha mixtape favorita dele e é a que eu escolhi para abrir essa lista.
9.Snow Tha Product - Good Nights & Bad Mornings 2: The Hangover (2013)
A Snow Tha Product é a minha rapper favorita e faz tempo que eu quero escrever algo sobre ela aqui no blog, e acho que é muito justo a primeira aparição dela aqui ser com o meu trabalho favorito vindo dela. Eu lembro como se fosse ontem como eu conheci o trabalho da Snow, apareceu aleatoriamente nos meus recomendados do youtube o clipe de "Hola" dela e na mesma hora que eu escutei eu já me viciei e fui ver os outros clipes dela, e a maioria desses clipes eram da mesma mixtape que eu escutei na mesma hora, e nunca mais saiu do meu radar. Good Nights And Bad Mornings 2 como o nome já sugere é uma mixtape de festa, misturando trap com uma pegada de EDM que fazia muito sucesso lá pro começo da década passada e a Snow faz flows muito rápidos rimando tanto em inglês quanto em espanhol combinando perfeitamente com as batidas além de refrões pegajosos que não saem da sua cabeça nos maiores hits do projeto. O tema principal desse projeto é sobre fazer festas com letras sobre festejar como se não houvesse um amanhã e deixar as preocupações para outro dia e viver o hoje, mas também temos algumas letras mais introspectivas como em "Cash Rules" que tem um sample da clássica "C.R.E.A.M" do Wu-Tang Clan em que ela fala sobre se sentir perdida na vida e a busca por ser uma pessoa melhor, temos uma reinterpretação da clássica "California Love" do 2Pac em um remix eletrônico com a rapper falando sobre o seu amor pela cidade em "California Luv" e até uma música engraçada sobre uma pessoa que não sai do telefone em "Fuck Your Phone", essa aqui envelheceu como vinho porque ninguém mais sai da porra do celular quando você está tendo uma conversa. A mixtape tem a participação de inúmeros produtores diferentes assinando as batidas e algumas participações de artistas que se tornariam bem famosos como Ty Dolla $ign fazendo o refrão na RnB "Don't Judge Me", uma disputa de speed flows entre a rapper e o Tech N9ne na "You're Welcome" e um verso do lendário Cyhi The Prynce na G Funk "Hold You Down". Diferente da mixtape do Chief Keef essa não é uma mudança no jogo nem nada do tipo, mas ela me trás lembranças muito boas, eu tava ouvindo ela na primeira vez que eu fui fazer o Enem, eu já coloquei músicas dela em vários rolês que eu tava e a música sempre bateu. Como eu disse no começo é o meu projeto favorito da Snow, músicas como "Play", "Hola", "Doing Fine" e "Cookie Cutter Bitches" continuam na minha playlist de festa até hoje então não tinha como ela não aparecer aqui.
8. Young Thug - JEFFERY (2016)
JEFFERY tem uma das capas mais ousadas e famosas da história, sim esse é o Young Thug de vestido na capa, e sim, essa foi a razão pela qual a mixtape chegou no meu radar, e ao ouvir eu me deparei com o trabalho mais criativo que saiu da mente desse artista. Jeffery é o nome real do Young Thug e essa mixtape nada mais é do que é a busca pela inspiração do artista, o projeto tem apenas 9 faixas e o nome dessas 9 faixas são de pessoas que inspiraram o artista de alguma forma como o rapper Kanye West que da nome a última faixa, o boxeador Floyd Maywheater que dá nome a segunda e a cantora Rihanna que da nome a faixa "RiRi". O que me chama atenção nessa mixtape é a mistura de sonoridades diferentes, eu estava la durante a explosão do trap como gênero e cultura e todas as batidas tinham um estilo muito parecido com letras sobre as mesmas coisas, então quando eu cliquei nessa mixtape e a primeira coisa que eu ouvi em "Wycleaf Jean" foi esse reggae misturado com trap aquilo simplesmente explodiu a minha mente. O projeto mistura trap com reggae, RnB, dance hall e pop oitentista e a performance vocal do Young Thug sai apenas de flows triplos em trap para ele cantando, sussurando, fazendo refrões pops e também rimando, saindo da bolha de um trapper da época para um artista muito mais complexo. Claro que junto com toda essa experimentação o Thug também consegue fazer hits de trap durante a mixtape como a "Floyd Maywheater" em que ele traz os titãs Travis Scott, Gunna e Gucci Mane para fazer uma bomba de trap de 6 minutos com cada um trazendo seu estilo para a faixa, "Future Swag" em que ele incorpora o flow e estilo do Future na faixa como uma homenagem para ele, e "Guwop" que se tornou a música mais famosa do projeto e uma das mais famosas da sua carreira, uma parceria com Offset, Quavo e Young Scooter em um trap energético cheio de carisma de todos os envolvidos. Essa foi a mixtape que mostrou tudo que o Thug poderia fazer para o mundo e abriu espaço para ele colaborar com artistas pops como Camilla Cabello e Post Malone e fazer projetos que iam até para o pop punk. Inclusive eu acho que o próprio Young Thug deveria reouvir esse projeto dele porque atualmente ele parece ter se acomodado em um estilo de trap que ele só repete e repete nos seus últimos lançamentos, e isso é tudo menos o que ele mostrou em JEFFERY, seu projeto mais criativo e o meu escolhido entre as suas várias boas mixtapes para representa- lo aqui.
7.Frank Ocean - Nostalgia, ULTRA (2011)
2011 é um dos anos mais importantes para o RnB moderno, eu vou falar mais um pouco das razões mais a frente mas uma delas é o primeiro projeto completo do homem que se tornaria um dos pilares desse gênero dali para frente, isso porque foi o primeiro projeto completo de Frank Ocean. O cantor já tinha uma notoriedade por ele andar com os doidos da Odd Future e ele já era considerado uma promessa com um contrato com a gravadora Def Jam desde 2009, mas depois de sentir que estava sendo deixado de lado e que não estavam dando ouvidos para as suas ideias ele começou a trabalhar na sua própria mixtape em 2010 sem qualquer impulso da sua gravadora que foi disponibilizado de graça no TUMBLR do cantor. Os temas líricos dessa mixtape são sobre olhar para o passado e refletir sobre si mesmo, tanto que a capa da mixtape é uma BMW laranja que era o carro dos sonhos do Frank. A inspiração para a mixtape veio do cantor ter vivenciado o furacão Katrina em 2005 em Nova Orleans tendo que ser realocado para Los Angeles durante essa época junto com a sua família, então ele reflete sobre o seu eu que ficou ali naquela cidade, seus sonhos, juntando esses pensamentos em uma linha de um relacionamento muito intenso que deu muito errado mas que o cantor sente saudades, tudo isso enquanto samples de músicas nostálgicas e interlúdios com nomes de videogames famosos dos anos 90 tocam por todo o projeto para trazer essa nostalgia que ele quer emular. Para mim esse é um grande ponto do que faz esse projeto tão bom até hoje, ele é muito jovem, era um Frank Ocean de 23 anos falando sobre problemas que pesoas passam naquela época (amores intensos, tédio existencial, saudades de outra época mais simples) e sem parecer chato, usando samples de bandas indies famosas, inclusive começando a mixtape com um cover de "Strawberry Swing" do Coldplay, além disso temos samples de Radiohead, Eagles e MGMT durante a mixtape (provavelmente o motivo dela nunca ter ido para nenhum streaming). Essa mixtape me lembra um dia chuvoso em que você não sai de casa e começa a lembrar de coisas que você já fez assim no automático enquanto uma musiquinha lo-fi está tocando de fundo. Tudo que faz o Frank Ocean o Frank Ocean já está nessa mixtape, a narrativa do jovem de coração partido, o estilo de produção minimalista mas que te acerta como um soco com os drops, e um estilo que fala com um público jovem diferente do RnB que estava sendo feito até ali que falava apenas de festa e pegação. Para muitos o Nostalgia, ULTRA é até hoje o melhor trabalho do Frank Ocean, e por mais que eu goste mais de alguns dos seus trabalhos subsequentes, essa foi a primeira coisa que eu ouvi do artista e tem um lugar especial no meu coração.
6.Westside Gunn - Hitler Wears Hermes: Side B (2021)
AY YO BRRRRRRRRRRRRRR BOOM BOOM BOOM BOOM. Eu já falei sobre o Griselda várias vezes aqui no blog e sobre o membro da banca Westside Gunn e tudo que eu gosto no estilo cru das rimas dele, e por mais que ele tenha muitos álbuns acima da média o que melhor traz todo esse estilo underground do rapper no seu melhor é a sua série de mixtapes chamada Hitler Wears Hermes. A ideia desses projetos é misturar a violência com o luxo, a vida de crime que ronda a imagem desse rapper com os beats mais classudos que você vai ouvir, por isso associar a figura de Hitler com a da marca de roupa de luxo Hermes. A primeira mixtape dessa série foi feita em 2012 tendo nove volumes até agora, e foi aqui que o rapper mostrou para o mundo o seu estilo com rimas cruas em beats sem drum falando sobre a vida do crime e a ascensão dele como figura negra para o povo. Eu ainda não ouvi todas as mixtapes da série Hitler Wears Hermes mas das que eu ouvi eu não tenho dúvidas que o último volume não apenas é o melhor do rapper nessa série como também é a melhor coisa que ele já fez no geral. A magia do Westside Gunn é essa mistura de boombap sujo com o seu flow lento característico e aqui eu sinto que ele entrega os seus melhores flows e suas melhores letras, isso tudo em um projeto cheio de features que só engrandecem tudo, como o resto do trio da Griselda fazendo um clássico em "Hell on Heart Pt. 2" com os três falando sobre como é a vida de gangster com referências a filmes de máfia e trocadilhos sobre a vida de crime e a vida no rap, "Free Kutter" com uma batida classuda de jazz com um verso convidado incrível do lendário Jay Electronica, e até um 2 Chainz colando em um boombap sujão em "Forest Lawn". A produção vai de nomes como Madlib e The Alchemist que são conhecidos como lendas do coke rap, como também os colaboradores famosos da Griselda Daringer e Conductor Williams. Claro que também não pode faltar referências a wrestling no projeto, com a intro do projeto se chamando Brodie Lee em homenagem ao wrestler que faleceu em 2020, e também as músicas "Eddie Kingston" em uma das minhas faixas favoritas do rapper, inclusive vocês tem que ver os highlights do Eddie Kingston com essa música, e também "Survivor Series 95" com uma pegada bem MF DOOM na batida e logo também é uma das minhas favoritas. No geral essa mixtape é a menos acessível da lista inteira, é rap bem underground com vários adlibs por cima, sem refrão e com um flow bem mais lento, mas eu quando escuto me sinto um dealer fazendo meu corre pelas ruas frias de Buffalo. Eu acho que é um projeto que funciona quando ouvido completo e por mais que seja mais longo que o lado A da série Hitler Wears Hermes lançada no mesmo ano, eu prefiro as músicas e principalmente as batidas dessa. E sim, alguma hora vai rolar top 10 projetos do Griselda no blog, aguardem.
5.Joey Bada$$ - 1999 (2012)
Vocês ficam "ah o Yamal isso, ah o Yamal aquilo" e o Joey Bada$$ que lançou uma das melhores mixtapes de todos os tempos com 17 anos??? Logo no seu primeiro projeto o Joey resolveu fazer uma homenagem geral para o boombap da east coast com um projeto não apenas nostálgico na sua produção mas também no seu conteúdo lírico. 1999 tem como foco central a adolescência de Joey no Brooklyn, indo desde problemas normais dessa idade como a desdoberta de quem você quer ser na vida adulta até claro como foi viver em um ambiente violento e pobre e como foi para ele se tornar um rapper promissor. Para fazer a trilha sonora da vida do rapper a produção entra em um jazz rap com boombap muito anos 90 aos moldes de Nas, Jay Z mas principalmente MF DOOM, o rapper britânico claramente teve muita influência no estilo de rimas e flows que o Joey emula aqui, inclusive "World Domination" que é a minha faixa favorita do projeto é muito MF DOOM, então não foi uma surpresa descobrir anos depois de ouvir que foi o próprio que produziu a batida. Junto dele na produção temos o lendários J Dilla e Lord Finesse construindo essa atmosfera que junta o que de melhor o rap noventista tinha sonoramente mas trazido para os anos 2010. E claro que o highlight do projeto junto com as batidas é a caneta do Joey que antes mesmo de alcançar a maior idade já rimava como um veterano. Isso já é mostrado na primeira música "Waves" onde de forma cinematográfica ele rima sobre o seu dia a dia como adolescente e o sonho de se tornar um rapper e em "Snakes" que talvez seja a track mais bem escrita por onde ele critica a cena do rap pela objetificação de mulheres e fala do seu plano de virar o jogo fazendo artistas de rap consciente como ele tocar nas rádios. Tem rappers de 40 anos que não escreveram nada parecido com o que o Joey escreve nesse seu primeiro projeto. Além disso a mixtape está lotada de artistas da PRO Era que é a banca liderada pelo Joey, e todos eles mandam muito, é uma ótima vitrine para conhecer rappers como Capital STEEZ e Chuck Strangers. Como eu disse eu amo ver rappers no começo do seu auge em um projeto que define isso, e depois do 1999 o Joey nao lançou um projeto abaixo da média mas o seu começo com essa mixtape é especial e eu entendo porquê é a coisa favorita do rapper para muitas pessoas, essa fusão de rap clássico com esse flow cheio de trocadilhos e storytelling foi um dos grandes revitallizadores do boombap no início da década, sendo também a minha coisa favorita que o Joey Badass já fez. Essa mixtape é algo que ao mesmo tempo que fala com a época que eu comecei a ouvir rap também me remete aos clássicos do que de melhor a costa oeste produziu nos anos 90.
4.Travis Scott - DAYS BEFORE RODEO (2014)
Rodeo, o álbum de estreia do Travis Scott lançado em 2015 é considerado por muitos como a sua obra prima, um projeto que simplesmente mudou para sempre o que o trap pode ser com a sua psicodelia. Eu particularmente acho esse trabalho dele um pouco superestimado demais e gosto bem mais de outros álbuns dele, agora você sabe qual é pra mim verdadeiramente a sua obra prima??? A sua segunda mixtape lançada um ano antes, a histórica DAYS BEFORE RODEO. Quando temos a abertura de "The Prayer" com aquela pegada quase gospel para então vir aquele sintetizador bem lento com o Travis rimando sobre como ele acorda meia noite hiperventilando pensando sobre como ele achava que a fama iria prencher ele espiritualmente mas ele ainda está lá bebendo muito e sente que está perdendo a cabeça para então o beat droppar junto com o primeiro verso, CINEMA em forma de música, essa é até hoje a minha faixa favorita da carreira do Travis e uma introdução perfeita não apenas para esse projeto como para toda a sua carreira a partir dali. Essa mixtape traz os principais elementos pelos quais o rapper seria conhecido no futuro, a experimentação do trap com elementos de música industrial em uma pira de LSD com distorções, mudanças de tempos, e efeitos vocais que as vezes até tornam dificil interpretar o que está sendo cantado, letras sobre preencher o vazio existencial com uma vida hedonista com festas e drogas, tudo isso virou a marca registrada do rapper mas já estava sendo usado com muita competência aqui. Alguns dos maiores clássicos da carreira do Travis estão nesse projeto como a já citada "The Prayer" mas também os singles "Mamacita" que se tornou um dos seus primeiros hits a furar a bolha do rap para algo mais pop, "Drugs You Should Try It" que é uma das maiores pirações de rap experimental que você vai ouvir, e "Don't Play" com ninguém menos que a banda 1975 de feat que é uma mistura do estilo do rapper com o seu trap em cima de um indie rock, não parece que combinaria mas dentro da produção fica uma mistura perfeita. Como vocês devem saber o Travis foi produtor e uma das grandes inspirações para o lendário Yeezus do Kanye West em 2013 e aqui ele mostra a razão pela qual esse estilo de trap cinematográfico maximalista que ele inspirou naquele disco e mais tarde implementaria no Rodeo e no Astroworld funciona tanto. Porém pra mim o que faz essa mixtape a melhor coisa já feita pelo rapper é como ele se joga nesses conceitos sem tentar ser pop, basicamente o projeto é uma pira de ácido com letras sobre o vazio da vida da forma mais Travis Scott possível, eu sinto até que esses são os deep cuts que não seriam comerciais para tranformar o Rodeo no fenômeno da música pop que ele se tornou. Um clássico cult na discografia do Travis que é obrigatório para quem é fã do La Flame.
3.A$AP Rocky - Live.Love.A$AP (2011)
Eu já falei sobre essa mixtape anteriormente quando eu fiz o ranking dos trabalhos do A$AP e é impressionante o quanto ela é um marco para um período específico do rap que hoje não existe mais. Live.Love.A$AP é talvez a obra definitiva da blog era, um período entre meados dos anos 2000 e a metade dos anos 2010 em que a internet, especialmente blogs como 2DopeBoyz, NahRight, DatPiff e Tumblrs dedicados à cultura urbana, moldou o gosto e o consumo de rap, pois era basicamente você fazer um projeto muito bom, jogar em um desses blogs de graça e você poderia explodir em uma bolha do dia para a noite. A mixtape também foi um símbolo de transição entre o rap regional tradicional e um novo tipo de artista que era moldado por influências globais, estética digital e uma curadoria pessoal. Basicamente o Rocky que era do Harlem não rimava ou usava produções que soavam como o rap nova yorkino, pelo contrário ele usava batidas sulistas minimalistas esotéricas e espaciais de produtores como o Clams Casino e ao contrário do que se esperava do estilo da costa oeste ele não rimava sobre a difícil vida de pobreza mas sobre como ele era o filho da puta mais bonitão do seu bairro usando roupas de marcas e tomando muito lean, tudo isso enquanto ele não perdia a autenticidade de ser um rapper do Nova York. No plano do marketing, Live.Love.A$AP também foi visionária, o Rocky se posicionou como um artista tão preocupado com a moda e o visual quanto com a música. Ele já surgia com um estilo e uma estética inspirada em marcas de luxo (Raf Simons, Rick Owens, Margiela), que na época ainda não eram amplamente citadas dentro do rap, isso aliado ao seu carisma nos clipes altamente estilizados como “Purple Swag” e “Peso”, e a forma como ele dialogava diretamente com a cultura jovem da internet, tornaram a sua imagem imediatamente icônica, fora claro a capa que foi uma foto tirada por um fotógrafo amador e é uma das capas mais famosas do rap dos anos 2010. Musicalmente o Rocky mostra toda a sua versatilidade, ele se mostrava capaz de flowzar por batidas melódicas, cantar refrões, manter o flow sobre beats lentos ou rápidos e misturar uma arrogância jovem com introspecção de um homem adulto. Faixas como “Peso”, “Wassup” e “Trilla” definem um som que mais tarde se tornaria a base para muitos artistas da segunda metade da década de 2010 e como eu já disse várias vezes "Purple Swag" foi a primeira música do rapper que eu ouvi e até hoje é a minha faixa favorita dele, simplesmente explodiu minha mente que rap poderia ser aquilo quando eu escutei pela primeira vez. O Rocky tem uma discografia sem nenhum álbum abaixo da média, ele conseguiu experimentar por batidas eletrônicas, trap psicodélico, boombap e outros estilos, e mesmo com essa carreira apenas com projetos bons ele nunca conseguiu superar a autenticidade, a inovação e a qualidade da sua primeira mixtape. Para mim um clássico absoluto, um dos projetos mais icônicos da década passada e um dos projetos mais importantes para a minha geração começar a gostar de rap.
2.The Weeknd - House Of Balloons (2011)
Como eu disse anteriormente 2011 é um dos anos mais importantes da história do RnB, tivemos a primeira mixtape do Frank Ocean, foi também o ano do Take Care do Drake onde o canadense embarcou de vez no RnB se tornando um misto de rapper com cantor e para muitos é o seu melhor projeto, e também foi o ano do primeiro projeto de outro canadense quando um artista que ninguém sabia quem era, nem se era um homem sozinho ou uma banda lançou o seu House Of Balloons. Eu sou um grande fã de história de origens então não é surpresa que essa mixtape seja para mim a melhor coisa que o The Weeknd já fez e a minha música favorita da carreira dele seja a primeira dessa mixtape. "High For This" nos insere perfeitamente no universo dessa persona chamada The Weeknd, com uma atmosfera dark e essa personagem falando para a garota dele sobre o seu mundo de sexo sem compromisso, drogas e arrependimento depois advertindo que ela vai precisar estar chapada para viver isso, mas servindo também para os ouvintes de que a viagem para o seu mundo é muito conturbada e talvez você também não queira estar sóbrio pra encarar isso, é uma introdução perfeita não apenas da sonoridade dark e dos temas pesados que a mixtape vai embarcar mas também uma introdução da carreira inteira do The Weeknd. Dentro da mixtape há uma narrativa centrada nesse personagem The Weeknd que é, ao mesmo tempo, o narrador e o anti-herói, ele é um homem afogado em sexo, drogas e festas vazias. Junto a ele, existe "a garota", uma figura simbólica e recorrente ao longo da história, ela representa tanto a parceira nos vícios quanto a vítima de sua própria autodestruição emocional. Ao longo das faixas, é possível perceber como esse relacionamento é permeado por manipulação, carência, prazer e dor. Tudo isso é apoiado na produção de Doc McKinney, Illangelo e o próprio Abel, misturando RnB atmosférico com indie rock, ambient, eletrônica e trip-hop. Um exemplo é o uso de samples de bandas como Beach House “Gila” em “Loft Music” e Siouxsie and the Banshees “Happy House” na faixa-título, criando uma sonoridade que parece transitar entre o sensual e o fantasmagórico. As batidas são muitas vezes minimalistas, o que reforça o sentimento de desconexão emocional desse personagem por absolutamente todas as pessoas que ele conhece. Como eu falei antes na época ninguém sabia nem sequer o que era o "The Weeknd", o marketing de apenas lançar essa mixtape sem nenhuma aparição do cantor em nada apenas fez com que a imersão dentro da mixtape ficasse maior, ela é como entrar em uma festa e ficar lá por tempo demais até perceber que a sua vibe já acabou mas você já está lá e alguma coisa continua te puxando para dentro da festa e não te deixa sair. Alguns dos melhores trabalhos do The Weeknd estão aqui como a já citada "High For This", "Wicked Games" que foi a faixa que explodiu em todos os lugares, os 6 minutos de "House of Balloons / Glass Table Girls", e o final com "The Knowing" como o acordar dessa festa junto com todos os arrependimentos. Eu não conheci o The Weeknd em House Of Balloons, quando eu o conheci ele já estava estourado com "The Hills" e "I Can't Feel My Face" então eu só posso imaginar como deve ter sido ouvir isso em 2011. Uma obra prima irretocável, para mim o seu melhor trabalho até hoje, uma experiência sensorial que mescla hedonismo, autodestruição, vazio emocional e manipulação. A sua importância é tão profunda que pode ser traçada em linhas que influenciaram não só o som de toda uma geração de artistas de RnB alternativo, como também a forma como todo o gênero seria entendido dali em diante: mais obscuro, mais vulnerável, mais sombrio e mais humano.
1.Mac Miller - Faces (2014)
Eu amo Faces como eu amo poucas coisas dentro da música. O Mac Miller sempre foi um dos meus artistas favoritos, eu amo todas as fases dele, do adolescente na blog era rimando sobre coisas de escola, o rapper de festa de faculdade, até a última fase da sua carreira quando ele fez os seus trabalhos mais maduros e confessionais, e tem um ponto de transição entre o Mac Miller rapper maconheiro swag que rimava sobre festas e um homem muito complexo que sabe que está se autodestruindo com o seu estilo de vida mas não consegue parar, e esse ponto de transição é essa mixtape de 2014. A importância de Faces começa justamente por sua honestidade visceral com o Mac na primeira faixa "Inside Outside" falando que já deveria estar morto de novo e de novo. A mixtape aborda temas como vício em drogas, isolamento, depressão, medo da morte, alienação artística e uma busca por um significado maior através da arte, com um nível de abertura raramente visto em trabalhos dessa época onde os maiores hits eram sobre drogas e festas no sentido positivo. Mac não se esconde atrás de metáforas, ele fala diretamente sobre estar usando tudo quanto é tipo de droga, sobre não confiar em ninguém, e sobre sentir que está perdendo o controle de tudo. O tom do projeto é quase testamentário, como se ele estivesse escrevendo suas memórias enquanto ainda estava vivo, inclusive ele diria mais tarde que não achava que sobreviveria a gravação de Faces. A produção musical de Faces é outro ponto crucial que a eleva ao status de obra-prima, a maioria das faixas foi produzida pelo próprio Mac, sob o seu pseudônimo Larry Fisherman, e as batidas são uma mistura de jazz psicodélico, soul, lo-fi, boom bap e neo-psicodelia, criando uma atmosfera quase delirante, como se fosse feita dentro de uma mente em colapso. Faces é uma obra que transcende o conceito de uma simples mixtape, é um diário psicodélico, ela tem quase 90 minutos e 25 faixas, ela é um grito por ajuda, uma confissão artística e espiritual ao mesmo tempo que consegue ser triste também é engraçada com um humor mórbido do rapper e cheia de hits que marcaram a carreira do artista como "Diablo" e "Friends". Esse projeto é o momento em que Mac Miller deixou de ser apenas promissor e se tornou um artista realmente interessante de se acompanhar para sabermos qual seria o seu próximo movimento, sua honestidade brutal e humor autodepreciativo, combinada com a produção ousada e a força lírica e seus inúmeros flows, fazem de Faces, na minha opinião, a melhor coisa que o Mac Miller já fez e a melhor mixtape que eu já ouvi.
E se você quiser saber mais das temáticas, as melhorss músicas e a produção geral dessa mixtape eu já escrevi um artigo inteiro sobre ela aqui.
Menções Honrosas:
Wiz Khalifa - Kush & Orange Juice (2010)
Chance The Rapper - Acid Rap (2013)
Vince Staples e Mac Miller - Stolen Youth (2013)
Future - Monster (2014)
Kehlani - Cloud 19 (2014)
Young Thug - Barter 6 (2015)
Agust D - Agust D (2016)
Logic - Bobby Tarantino 2 (2018)
RM - Mono (2018)
Doechii - Alligator Bites Never Heal (2024)
Esse top 5 é irretocável, acho que é meu top 5 preferido também. O 1999 do Joey Bada$$ eu tava ouvindo de novo esses dias e pqp, pedrada atrás de pedrada. Faces eu ouço praticamente uma vez por mês, uma das coisas mais fodas que eu já ouvi ever também. Top 10 de muito respeito, good job!
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