Quem é o maior vilão da história da música? Essa é uma pergunta difícil de se responder mas eu com certeza posso dizer quem é o maior vilão, ou melhor supervilão, do rap, o homem da máscara de metal chamado MF DOOM. Mas você sabe como o MF DOOM foi criado? quem era o homem antes da máscara e das diversas personas que ele encarnou através dos anos? O artigo de hoje é sobre isso, mas especificamente sobre um grupo chamado KMD e o seu polêmico segundo álbum que deu origem a criação do maior supervilão que o rap já ouviu.
O KMD foi formado em Nova York por dois irmãos britânicos chamados Daniel Dumile que tinha o nome artístico de Zev Love X, e Dingilizwe Dumile com o nome artístico DJ Subroc, junto com eles se uniu um amigo deles da rua debaixo que se chamava Jade 1 para formar o trio. O KMD foi criado em 1988 e originalmente era um grupo de graffiti mas eles também praticavam breakdance, com o rap aparecendo apenas porque eles conheciam muita gente que também fazia música pelas redondezas, eles foram se interessando mais e mais em fazer música, com o Zev Love X aparecendo pela primeira vez em uma música quando o artista 3rd Bass, que também era seu amigo, chamou ele para participar da faixa "The Gas Face" do seu álbum The Cactus Album em 1989, inclusive o KMD aparece no clipe da música. Esse feat chamou a atenção de Dante Ross que era um executivo da Elektra Records, gravadora famosa pela sua contribuição na cena do heavy metal, que chamou o KMD para gravar o seu primeiro álbum. O Jade 1 saiu um pouco antes disso porque ele queria terminar a escola, sendo substituído por outro amigo deles chamado Onyx The Birthstone Kid, e assim o KMD com sua nova formação estava pronto para trazer o seu primeiro projeto para o mundo.
Mr. Hood foi lançado em 1991 com o trio fazendo a maior parte da produção das músicas com samples de jazz, funk e blues, mas principalmente o disco chama atenção pelo senso de humor ácido dele, o DJ Subroc coloca vários trechos de desenhos animados durante o disco que contrasta perfeitamente com as letras sobre racismo e empoderamento negro, fazendo um álbum de rap consciente que consegue tocar em temas sérios de um jeito muito sarcástico, e isso seria a razão pela qual o grupo seria conhecido durante essa época nos círculos de hip hop.
Mr. Hood teve um sucesso bem moderado, vendeu próximo de 150 mil cópias, não foi o suficiente para alavancar eles para o mainstream do rap nem nada do gênero mas foi o suficiente para que com um pouco de convencimento do Dante Ross que acreditava muito no trio eles conseguissem que a gravadora investisse em um segundo álbum deles com as gravações desse segundo álbum sendo iniciadas em 1993. Parecia que estava tudo dando muito certo para o trio, porém essa fase desse segundo disco seria a pior na vida do Zev Love X e o motivo pela qual ele viraria as costas para a indústria musical para sempre.
Esse segundo álbum se chamaria Black Bastards e estava ocorrendo tudo bem nas gravações porém ai veio o primeiro problema, o Onyx deixou o grupo durante as gravações, não se tem informações da razão pela qual ele tomou essa decisão mas claro que isso afetou um pouco o processo de criação para o álbum, porém o trio ainda estava nos trilhos pois as cabeças pensantes sempre foram os irmãos Dumile, desde as letras, os beats até as ideias e os conceitos que seriam usados, então eles iriam continuar como uma dupla. E é ai que acontece a verdadeira tragédia. Com o álbum já finalizado o DJ Subroc é atropelado por um motorista enquanto tentava atravessar um cruzamento, infelizmente indo a óbito com apenas 19 anos de idade. A morte do seu irmão abalou muito o Zev Love, que agora sendo o único membro do KMD terminou de finalizar o Black Bastards que seria lançado como um homenagem para o seu irmão, sendo o último projeto que eles trabalharam juntos o Black Bastards era muito importante para o Zev, e é ai veio mais uma pedrada da vida na direção do Zev Love.
O primeiro single do álbum "What a Nigga Know?" já havia sido lançado em Março de 1994 com o álbum sendo anunciado para ser lançado em Maio do mesmo ano. Porém o Zev Love foi chamado para uma reunião com os executivos da Elektra Records e eles falaram para ele sem rodeios que não iriam lançar o álbum. A razão dada pela Elektra Records para cancelar o lançamento foi a capa do disco, que tinha uma caricatura racista, que era oficialmente o mascote do trio e já tinha aparecido na capa do primeiro disco, sendo enforcado, eles acharam que a capa era controversa demais e iria dar problemas com grupos negros que não viam o rap com bons olhos na época. Porém tem mais por trás do cancelamento desse álbum. Em 1994 os Estados Unidos estavam passando por uma tensão racial muito grande, em 1991 ouve o caso Rodney King onde um motorista de taxi negro foi brutalmente espancado por um grupo de policias brancos, um civil filmou tudo isso acontecendo e o caso ganhou repercussão nacional, Em 1992 os policiais que foram julgados por esse caso foram absolvidos, o que gerou os distúrbios de Los Angeles na mesma época, onde a minoria racial da cidade se revoltou destruindo tudo por dias. Ainda no mesmo ano a banda de heavy metal Body Count em parceria com o rapper Ice T lançou o seu álbum Body Count onde na faixa de "Cop Killer" eles falam sobre o racismo e o caso Rodney King e no refrão fala abertamente sobre matar policiais. A faixa causou uma controvérsia gigante com o Ice T retirando ela do álbum futuramente. Então a época não estava boa para músicas de protestos e as gravadoras sabiam disso, a Elektra Records que não teve tanto retorno financeiro com o primeiro disco do grupo provavelmente decidiu não arriscar uma grande polêmica com esse grupo pequeno de rap atrelado a sua gravadora.
O mais trágico é que o Zev Love X disse mais tarde que a capa do seu álbum não tinha nada a ver com uma critica racial, e sim que ele queria simbolizar a morte desse mascote do KMD pois ele e o seu irmão já estavam planejando outro personagem e alter egos para trabalhar com a sua música, e também o conteúdo lírico do álbum também não tinha nada a ver especificamente com o caso do Rodney King, tinha criticas sobre o racismo claro, mas não era o foco principal do álbum, com músicas também com o tema de sexo, drogas e álcool fazendo parte do disco. O Zev também disse que mudaria a capa do álbum se tivessem dado essa chance para ele mas a gravadora nem quis ouvir o que ele tinha para falar, mais tarde ele disse ter ficado feliz de não ter mudado a capa pois todo o conceito desse álbum se tornou essa capa. Então o último membro da KMD deixou a Elektra Records com as masters do Black Bastards e 20 mil dólares como um incentivo para ele deixar a gravadora sem causar nenhum problema.
O Zev tentou oferecer o Black Bastards para outras gravadoras mas a noticia de que esse era um disco problemático já tinha se espalhado e nenhuma gravadora quis lançar o disco. Assim então se inicia o período mais obscuro da vida de Daniel Dumile, ele entrou em uma depressão por causa da morte do seu irmão, parou de fazer rap, ainda mais porque a reputação do Zev Love X não estava muito boa com as gravadoras por causa do Black Bastards, e segundo o mesmo ele chegou a viver nas ruas durante essa época. Traído pela indústria musical e sem seu irmão Zev Love X nunca mais seria visto em uma faixa de rap. Porém em 1997 um rapper começou a se apresentar em open mics em Manhattan fazendo freestyles com faixas sobre o seu rosto e diversos nomes diferentes. Mais tarde esse rapper começou a usar uma máscara de metal sobre o seu rosto e revelou o seu nome como MF DOOM. Em 1999 sai pela gravadora Fondle 'Em Records o plano de dominação mundial do supervilão do rap na forma do seu primeiro álbum Operation: Doomsday, e o resto... o resto é história.
E caso você esteja se perguntando a razão pela qual hoje você pode ouvir o Black Bastards em todas as plataformas de streaming é porquê depois de toda a poeira baixar o álbum finalmente foi lançado oficialmente pela Ready Rock Records em 2000 depois de ter sido lançada de forma pirata nas ruas e ter ganhado uma notoriedade no underground do rap, ele ainda foi re-lançado em 2001 e finalmente lançado com sua versão deluxe pela gravadora do próprio MF DOOM Metalface Records em 2008. E eu fico muito feliz que ele tenha sido lançado porque ele pega os pontos mais fortes do Mr. Hood e consegue fazer ainda mais com eles, sendo uma melhora significativa dos irmãos em ideias, temas abordados e letras, eu sinto que toda a odisseia do MF DOOM estaria incompleta sem esse álbum que é um dos meus projetos favoritos que ele já participou, algo totalmente diferente do que ele faria como MF DOOM e todos os seus outros alter egos mas ainda muito bom.
Em 2017 o DOOM lançou uma música que ainda não havia sido lançada da época do KMD chamada "True Lightyears" com o Jay Electronica fazendo um teaser de um último álbum do KMD que se chamaria Crack In Time, que ele disse que seria lançado nos próximos anos. Com a morte do MF DOOM em 2020 esse parece apenas mais um dos muitos projetos do artista que foram prometidos e nunca viram a luz do dia.
E esse é o artigo de hoje, eu estou num hiperfoco bizarro de MF DOOM nas últimas semanas, principalmente nesse começo da carreira dele, eu sabia mais ou menos sobre a história dele com o irmão mas não sabia de tudo que conspirou para ele se tornar essa figura tão enigmática de dentro do rap, é algo que parece vindo de uma história em quadrinhos mesmo e eu quis contar essa história aqui no blog. Se esse hiperfoco não passar provavelmente o próximo artigo também vai ser sobre outro álbum do MF DOOM, se passar talvez seja sobre outra coisa, nos vemos lá.
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