Mesmo que você não conheça muito sobre a trajetória na música de Kanye West você provavelmente conhece a sua trajetória na cultura pop de 2009 a 2011. 2009 ele protagoniza um dos momentos mais controversos da história da música ao arrancar o microfone da Taylor Swift em pleno VMA se tornando um grande vilão dentro da indústria musical com a sua carreira entrando em risco de afundar para sempre. Em 2010 ele retorna com um dos melhores álbuns da história da música My Beautiful Dark Twisted Fantasy e ganha todo o público mainstream de volta. E em 2011 ele se solidifica como um dos maiores nomes da sua geração fazendo um álbum colaborativo que parecia impossível com Jay Z, o maravilhoso Watch The Throne. Durante essa fase na sua carreira Kanye estava no topo do mundo, e qual é o efeito de tantos aplausos em alguém que sempre foi conhecido por ser um poço sem fim de arrogância??? YEEZUS.
Apesar de estar no topo do mundo da música em 2013 Kanye estava em uma posição estranha em relação a sua própria persona. Ao mesmo tempo em que ele era um artista aclamado por critica e público ele estava enfrentando diversos obstáculos ao tentar trilhar uma carreira na moda com a sua marca de roupas Yeezy, com ele basicamente desabafando isso em rants longos para qualquer pessoa que estivesse disposto a entrevista- lo na mesma época. E dentro da música ele estava desconfortável pois todo mundo estava esperando My Beautiful Dark Twisted Fantasy parte 2 dele, com aquela produção maximalista, samples de rock, em resumo um Kanye West comercial, e o que ele fez em resposta a tudo isso??? o exato oposto. Yeezus é definido pelo minimalismo, a sua produção toda é focada em parecer o mais claustrofóbica e hostil possível. A música do Kanye foi de comercial e animada nos seus últimos projetos para batidas industriais, estilo acid house music, com distorções e efeitos estranhos numa pegada música eletrônica europeia, criando assim uma obra extremamente contracultural de um dos maiores nomes da cultura americana naquela época. Na verdade a vibe inteira do álbum comercialmente é que o Kanye não quer que você goste desse álbum, até mesmo a capa dele é basicamente só o CD com uma fita vermelha nele, sem nome do álbum, sem nome do artista, sem informações, apenas o produto, reduzido, minimalista. Porém embora a musicalidade do álbum seja muito interessante com produção de nomes como Daft Punk, Rick Rubin, Mike Dean, e até mesmo um jovem Travis Scott ajudando a produzir uma das faixas, o foco aqui é os temas que são abordados pelo artista nesse álbum.
Como está escrito no título desse artigo Yeezus fala sobre como se sentir um Deus, sentir sendo a palavra chave aqui. Yeezus é a expressão de alguém que bateu no teto do que ele poderia chegar, alguém que está no topo da montanha mas que não consegue escalar uma montanha mais alta. Yeezus falava sobre racismo estrutural, o materialismo moderno, a indústria musical e principalmente o classicismo na sociedade. O álbum abre com "On Sight" que é basicamente uma resposta a todos que queriam outro álbum comercial vindo do Ye, com uma distorção eletrônica logo nos primeiros segundos, o Kanye anunciando que a Yeezy season chegou, e então toda a vibe da música sendo interrompida por um sample de um coral cantando a música "He'll Give Us What We Really Need", ele vai nos dar o que nós queremos, uma música de coral no estilo das que ele samplearia antigamente para fazer outro hit, mas ele não quer mais saber o que a indústria quer, cortando abruptamente essa música voltando ao som caótico de antes. "Black Skinhead" é uma música que beira o punk rock, com um nome provocativo, referências a ícones do movimento negro como Malcolm X e o artista provocando o racismo estrutural na America, eles querem ouvir suas músicas, mas não querem ver ele de calça jeans de couro preta pegando influência de outros gêneros, eles não querem ver ele em sua pele negra, e em uma das melhores letras do álbum ele diz "eles veem um homem negro com uma mulher branca e vão derrubar o King Kong". Todo esse tema de ser um Deus vai se resumir melhor na música devidamente nomeada "I Am a God" onde o Kanye tenta o seu melhor para entrar na ideia do Ubermensch de Nietzsche tentando ser o seu próprio super homem, porém mesmo que ele se sinta um Deus e no auto da sua megalomania imagina conversas com o próprio Jesus Cristo, ele ainda depende de pessoas para pegar seu Porsche da sua garagem, para trazer sua comida no restaurante, e como ele mesmo coloca "eu sou um Deus apesar de ser um homem de Deus", ele se sente um Deus dentro da música mas ainda é apenas um humano no fim do dia. E toda essa raiva e frustração vai se encontrar no que para mim é a faixa mais importante do disco, "New Slaves". Nessa faixa ele detalha com brilhantismo como todos nós somos escravos do consumismo, antes os escravos usavam correntes de ferro e agora eles usam correntes de ouro, ele é um dos homens mais influentes do mundo mas não pode entrar no mundo da moda a não ser que pessoas acima dele deixem, ele não pode quebrar o ciclo do que é popular dentro da música porque existe um sistema acima dele que determina isso, no fim ele vai continuar preso. E ainda mais profundo é ele perceber que é parte do problema e que teria que largar todos os luxos que ele tem para viver o que ele esta pregando nessa mesma música, mas ele não consegue, porque ele é só mais um escravo dessa nova escravidão.
Kanye mais tarde descreveria Yeezus como "um protesto a música" e como era de se esperar Yeezus foi um dos álbuns mais divisivos não apenas da sua carreira mas de toda a história da música. Enquanto o álbum foi aclamado mais uma vez pelos críticos especializados com notas altas e elogios pela sonoridade ousada do artista e ficando em primeiro na lista de melhores álbuns de 2013 de vários sites, os fãs do rapper ficaram totalmente divididos, alguns achando que não tinha muito mais o que fazer com a sonoridade anterior do artista e aplaudindo sua direção artística de tentar algo completamente fora dos padrões da época, e outros achando o álbum apenas um monte de barulhos desconexos, letras vulgares, e um homem claramente no topo da sua megalomania gritando coisas sem sentido e se chamando de Deus. Para piorar tudo o próprio Kanye West vestiu completamente essa persona de anti herói da música durante essa época, dando algumas das suas entrevistas mais insanas durante essa fase, falando como o rap era o novo rock, os rappers eram os novos rockstars e ele era o maior rockstar do mundo, se comparando com nomes como Steve Jobs e Shakespeare e basicamente surtando sempre que alguém parecia estar discordando do que ele estava falando. Para se ter ideia do quanto esse disco foi divisivo na época a famosa revista de música Pitchfork fez uma votação online em 2013 para definir quais tinham sido o álbum mais superestimado e o álbum mais subestimado daquele ano, e o Yeezus ganhou as duas votações.
No meu (super desatualizado) ranking de álbuns do Kanye West eu coloquei o Yeezus em último lugar e falei que eu tinha entendido a proposta dele só não tinha gostado, mas eu não tinha entendido. Eu comecei a entrar dentro da música do Kanye em 2017, eu ouvi todos os álbuns dele em ordem, eu amei My Beautiful Dark Twisted Fantasy de primeira, ouvi de novo e de novo, e então alguns dias depois eu fui ouvir Yeezus, é claro que eu iria odiar aquilo ali, era a completa antitese do que eu tinha gostado, na época esse foi um dos poucos álbuns que nem me deu vontade de terminar ele todo. Mas a realidade é que Yeezus é um mergulho psicológico interessante na mente de alguém que achou que tinha conquistado tudo apenas para ver que tinha obstáculos ainda maiores que ele jamais conseguiria enfrentar nem com o nível de fama e sucesso que ele tinha, e a sua resposta foi se revoltar contra tudo isso fazendo algo totalmente cru, caótico, e ao mesmo tempo banhado em um egocentrismo gigante sobre sua própria posição dentro da cultura, algo que só esse artista naquele momento poderia criar. Eu li um comentário em algum lugar que dizia mais ou menos "esse álbum faz mais sentido quando a sua vida não faz", e eu acho que é muito verdade, todo o caos construído dentro dele e os sentimentos de frustração e se sentir fora do controle das suas escolhas é algo que todos nós passamos em algum momento ou outro e é algo que é muito bem traduzido nesse álbum tanto no instrumental completamente caótico e enclausurado, quanto nas letras ousadas e insanas. Yeezus ainda não é um dos meus álbuns favoritos do Kanye, não é algo que eu escuto direto no meu dia a dia, mas com certeza é um álbum em que agora sim eu entendo a proposta e a genialidade por trás dele, e com certeza é uma das coisas mais interessantes que qualquer artista mainstream já fez dentro da música
Yeezus deveria ter uma continuação direta que seria lançada em 2018 chamado Yandhi, que deveria continuar os temas dos seus álbuns anteriores sobre os seus conflitos internos de manter sua posição na indústria musical problemática e ser um homem cristão que já havia sido mostrada em Ye e The Life Of Pablo, porém o projeto foi descartado com parte dele sendo usado no seu álbum 100% gospel Jesus Is King, e outras músicas sendo usadas em outros projetos que o artista produziu, porém você ainda pode ouvir uma versão vazada do álbum na internet e tudo o que eu posso dizer é que pena que nunca tivemos o lançamento oficial disso. Além disso uma música chamada "Wash Us On The Blood" que tem uma sonoridade muito na pegada de Yeezus foi lançada pelo rapper em 2020 como single de um álbum que chamaria God's Country que seria lançado naquele ano... e que nunca foi lançado, mas a história dos álbuns não lançados do Kanye é história pra outro artigo. Por último eu vou deixar aqui uma entrevista que o Kanye deu na época do Yeezus que é 1 hora do Kanye falando tudo o que ele pensa sobre basicamente tudo o que estava acontecendo de relevante em 2013, e é incrível, para mim uma das entrevistas mais coerentes dele e uma das poucas entrevistas em que você consegue entender realmente o que ele está falando ali. Até o próximo artigo.
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